Um teste de sangue periódico, interpretado com a ajuda de um algoritmo especial e conjugado com outros exames pode se tornar uma poderosa ferramenta no diagnóstico precoce do câncer no ovário, que mata mais de três mil brasileiras e registra cerca de seis mil novos casos no país anualmente. Doença silenciosa, com sintomas como dores abdominais, sensação de barriga inchada e dificuldades na alimentação comuns a várias outras condições, o câncer de ovário em geral só é detectado em estágio avançado, levando à morte cerca de 60% de suas vítimas num prazo de até cinco anos a partir do diagnóstico. Diante disso, um grupo de pesquisadores britânicos decidiu investigar se o teste já existente, que mede os níveis no sangue de uma proteína chamada CA 125, de fato pode ser usado como método de rastreio para reduzir esta mortalidade.
Numa das maiores e mais longas investigações do tipo já realizadas, os cientistas liderados por Ian Jacobs e Usha Menon, do Instituto para Saúde da Mulher do University College London, convocaram mais de 200 mil britânicas de 50 a 74 anos para participar do estudo, chamado Ensaio Colaborativo para Rastreio do Câncer de Ovário do Reino Unido (UKCTOCS, na sigla em inglês). Destas, cerca de 50 mil fizeram os testes periódicos para a CA 125 e, eventualmente, exames de ultrassom transvaginal dos ovários. Outras 50 mil mulheres se submeteram apenas a exames anuais de ultrassom, também apontado como capaz de diagnosticar a doença com alguma precocidade, e as aproximadamente 100 mil voluntárias restantes não passaram por nenhum tipo de rastreio ao longo de dez anos, entre 2001 e 2011.
Problema dos ‘falsos positivos’
Mas, como vários estudos anteriores realizados já tinham apontado que apenas a medição dos níveis da CA 125 não era suficiente para reduzir a mortalidade pelo câncer de ovário, além de produzir muitos casos de “falsos positivos”, os pesquisadores criaram um novo método para avaliar os resultados do teste. Batizado Algoritmo de Risco de Câncer de Ovário (Roca, também na sigla em inglês), sua fórmula leva em conta as variações individuais nestes níveis na mulher, além de outros fatores de risco inerentes a cada uma, para disparar o alarme. Assim, segundo os pesquisadores, foi possível diminuir a ocorrência dos falsos positivos e, ao mesmo tempo, ainda detectar a doença a tempo de tratá-la, levando a uma redução na mortalidade de até 28% entre sete e 14 anos após o início do rastreio.
— Nosso relato dos dados de mortalidade do UKCTOCS é a primeira evidência de um ensaio controlado aleatório de que o rastreio pode reduzir as mortes por câncer de ovário — comemora Usha, coautora de artigo sobre a investigação, publicado na edição desta semana do periódico científico “The Lancet”, um dos mais importantes do mundo no campo da medicina. — Este achado é importante dado o limitado progresso nos tratamentos para o câncer de ovário nos últimos 30 anos.
Os próprios pesquisadores destacam no artigo, porém, que esta redução só pôde ser obtida com uma mudança no tratamento estatístico dos dados, para levar em conta casos de mulheres que já tinham desenvolvido ou desenvolveram o câncer no ovário pouco antes ou logo depois de começarem a participar do ensaio. Sem isso, os resultados do rastreio na detecção precoce da doença e a consequente diminuição de mortes decorrentes dela teriam sido insignificantes do ponto de vista científico.
— Um acompanhamento posterior do UKCTOCS nos dará uma maior confiança sobre a precisão da redução na mortalidade que é alcançável — reconhece Jacobs.
Para o oncologista Daniel Tabak, do Centro de Tratamento Oncológico (Centron), o estudo tem como mérito principal justamente a tentativa de validar ou não o teste de CA 125 para o diagnóstico precoce do câncer de ovário, sob nova perspectiva que não leve em conta níveis absolutos da proteína no sangue, mas sim relativos a cada mulher. Segundo ele, a recomendação atual é que o exame só seja aplicado em mulheres com variantes genéticas que as tornam de alto risco para o desenvolvimento da doença, como as conhecidas como BRCA 1 e BRCA 2, famosas após levarem a atriz Angelina Jolie a decidir retirar cirurgicamente as mamas e os ovários preventivamente.
— O estudo é interessante porque o câncer de ovário é uma doença complicada sem meios específicos para diagnóstico precoce — avalia. — Os falsos positivos são o maior problema destes tipos de testes. Com estes marcadores sendo usados de forma inadequada frequentemente, podemos ter um impacto negativo significativo com exames e cirurgias desnecessárias que elevam o fardo no sistema de saúde e o risco de complicações ao se tentar identificar uma doença que não está presente.
O Globo
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